Antes de adentrar ao tema, vou recorrer ao início de minha vida profissional, o qual vem de encontro ao tema e ao caos que se instalou junto aos profissionais da saúde, deste e de outros países.
Quando me formei por pertencer a uma família pequena, sem precedentes de profissionais com nomes e sobrenomes ligados a saúde, me vi isolado, sozinho, numa atividade profissional, sobre a qual, pouco aprendi na faculdade. Tinha o conhecimento sobre odontologia, mas não sabia o que era iniciar uma vida profissional.
Aqui cabe uma importante observação, as faculdades deveriam ter em sua grade curricular, departamentos que cuidassem de informar os futuros profissionais, em todas as áreas, como gerenciar sua carreira. Quando estudava, imaginava que, para fazer sucesso, bastava abrir um luxuoso consultório, em uma determinada avenida, com uma bela placa e apenas esperar; o sucesso seria inevitável.
O quanto cobrar então, era brincadeira; o valor cobrado deveria ser o preço do material usado, multiplicado por dez, e pronto! Nada se sabia, sobre custo de material, valor da hora trabalhada, manutenção dos equipamentos, atualização em estudos e materiais; muito menos como planejar férias, 13 salário, aposentadoria e tantos outros quesitos, para se poder ter uma renda saudável.
A idéia era que, de qualquer forma, seríamos bem sucedidos!
Formei-me com muita confiança, com esperança de que o sonho profissional, assim como outros, logo se concretizaria. Mas por alguma razão que desconheço, alguma coisa me deixava desconfiado, aquele conto de fadas, que era contado nos intervalos das aulas, não me soava real.
Montei meu consultório e abri as portas para os futuros clientes.
Bem…
Naqueles seis meses iniciais, atendi poucos pacientes, já que tenho poucas tias e primas. Alguns amigos conseguiram romper a barreira da desconfiança, também se “aventuraram” a tratar seus dentes com o amigo de praia e cerveja gelada.
Foi ai que percebi; teria muita coisa a fazer, se desejasse mesmo, ter tudo aquilo que ouvira, e sonhara conseguir. Por conta própria, fiz meu primeiro convênio com uma empresa de Cubatão, através de um conhecido que naquele momento me ajudou. Outro momento importante foi quando firmei uma parceria com uma grande loja de departamento, a extinta Mesbla, onde dava um bom desconto, sobre a tabela da Associação dos Dentistas da minha cidade.
Estava entrando no universo dos convênios. As primeiras grandes empresas, controladoras de planos de saúde, começavam e se interessar pelo mercado odontológico. Por sorte, persistência e currículo consegui 14 convênios. Trabalhava 12 horas por dia. Estava feliz, tinha muitos clientes, faltava tempo, as costas doíam, mas estava trabalhando, e me aperfeiçoando.
Depois de uns 10 anos, os descontentamentos já se mostravam bem intensos, em minha trajetória profissional. Sentia-me explorado, mal remunerado e mal reconhecido, sabendo que, com meu potencial eu merecia mais.
Não se tratava apenas de dinheiro, mas de respeito pela profissão que escolhi.
Nesse momento, iniciei um processo de desligamento de alguns convênios, baseando-me nas condições de trabalho oferecidas, bem como remuneração, perfil de conduta e respeito com os profissionais, também fizeram parte das minhas escolhas.
Hoje, após 25 anos de formado, ainda atendo dois convênios, nos quais posso confiar. São eles a Petrobrás e a Unafisco Saúde, ambos por coincidência, patrocinados pelos interessados, os empregados. Possuem vida própria, devem ser rentáveis, mas o alicerce está em ter bom atendimento de saúde. Para isso, tudo que falei como prestador de serviços, mais tantos outros fundamentos, para se administrar uma carteira tão grande de usuários, acaba sendo bem cumprida.
Essas pequenas observações foram feitas, para que não acreditem em venda de planos de saúde por valores ínfimos. Não acredite que a empresa X é a melhor qualificada em atendimento odontológico, porque presta o melhor serviço no ramo. Nem sempre estes números são verdadeiros. E sempre quando acontece alguma manifestação, por parte de algum profissional da saúde, ainda temos pessoas criticando os mesmos.
Tempos atrás, a pessoa que tinha um plano de saúde, tinha um atendimento diferenciado, hoje não dá para se ter tanta certeza assim. O que mais difere um bom atendimento, além de um bom convênio, é o profissional que dá o atendimento. Esse sim é o que mais conta. Muitas vezes mal remunerado, faz um bom trabalho, enquanto outros, que mesmo estando em situação melhor, faz um atendimento inferior.
Trata-se de saber escolher, e porque não dizer, que há o fator sorte.
Outro aspécto que chama muita a atenção, e que incomoda demais nossa realidade na saúde, é o atendimento aos Hospitais de Referência Públicos. Muitos desses hospitais têm os melhores médicos do país, onde todos nós, só teremos acesso se entrarmos pelo SUS ou como particular.
Que ironia hein? Mas é assim que funciona. Muitos leitos de UTI nesses hospitais tem mais recursos, que alguns hospitais particulares ou conveniados. Então é possível ter um bom atendimento público e gratuito neste país? A resposta é sim, mas faltam hospitais, leitos, médicos, equipamentos, estrutura, e dentre tantas outras coisas, vontade e coragem política para isso.
Então vou dar uma pequena sugestão, cancelem eventos como Olimpíadas, Copa do Mundo e façam o que deve ser feito. Daqui a alguns anos teremos mais condições de podermos “merecer” eventos desse porte.
É uma vergonha o que está acontecendo com a saúde deste país.
Muitos cumprem os juramentos, feitos no ato do recebimento do diploma, mas o sistema imposto é por vezes cruel. Não se trata de corporativismo, é nossa realidade.
Neste país com tantos números equivocados, a saúde, educação, segurança, moradia e saneamento básico sempre ficaram em outro plano. Algumas coisas mudaram, mas a diferença ainda é grande. O saldo continua negativo.
Ainda temos muito que aprender em relação aos direitos e deveres de cidadãos; cada vez mais impera o salve-se que puder.
São tempos difíceis, mas para quem ainda acredita, continuem semeando!